Sou filha de três mães e de nenhuma delas.


A primeira me deu a dádiva da vida, mas me deu à outra.

A segunda me adotou, mas não sustentou.

A terceira me recebeu como um presente, mas não me escolheu.


Sou filha de um pai que não pôde ser, pois, embora eu o tivesse em meu coração, o meio não permitia que ele pudesse ser mais do que já era.


Sou parte de uma família que não me escolheu, mas me acolheu como pôde. Não sou de seu sangue, mas sou do seu verbo, da sua língua e do seu discurso.


Sou parte do meio em que cresci, e construí com tijolos tortos e tábuas rasas aquilo que me disseram, mas também sou a pergunta que sempre fiz, os porquês que sempre questionei e a respostas que não recebi.


Sou a história que contaram e fui o futuro que consagraram, até que questionei o presente e fiz falta no amanhã que desenharam.


Sou minha própria desconstrução e saber, mas também sou meu não saber. O que sei de mim além do que não sei?


Através de minhas palavras entendi que poderia ser apenas signos e significados do que colocaram em minha mesa ou exercer meu direito de trazer meus significantes à minha história.


Eu posso ser eu ou posso ser apenas o meu eu do outro.


Nesta travessia de elaboração aprendi quem eu era, o que gostava. Me apresentei a um reflexo, vi minha imagem sem tantas mágoas. Me abracei, aceitei e discursei em um divã sobre aquela que re-conheci.


Reconheci como filha.

Reconheci como mulher.

Reconheci como Ariane, o nome sorteado e destinado.

Reconheci como Jasmine, o nome escolhido e amado.

E me entendi como Salomão, o sobrenome que adotei daquela que me adotou.


Sou filha de três e de nenhuma delas. Sou quem construo e quem escrevo, mas também sou quem escolho.


Sou boa, sou má. Sou luz, sou sombras. Sou fala e silêncio. Sou meu encontro e desencontro, e neste saber aprendo e desaprendo, pois no ato de minha própria palavra elaboro o encontro com a minha presença.